1. A Reforma em linhas gerais
A Emenda Constitucional (EC) 132/2023 introduziu diversas mudanças no sistema tributário nacional, impactando significativamente todos os setores produtivos. Ela propôs a unificação de tributos sobre o consumo, como ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS, criando um imposto sobre bens e serviços (IBS), o qual possuirá paridade normativa constitucional com a contribuição sobre bens e serviços (CBS).
Os dois tributos deverão observar as mesmas regras em relação a fatos geradores, bases de cálculos, hipóteses de incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos, regras de não cumulatividade e de creditamento.
A alíquota deverá ser observada de maneira uniforme em todo o território nacional para que exista um tratamento paritário de bens materiais e imateriais, direitos e serviços, ressalvadas hipóteses previstas no texto constitucional.
Em termos gerais, a emenda assegura ainda que o novo imposto sobre consumo seja não cumulativo, o que significa que os contribuintes poderão descontar os tributos pagos na cadeia produtiva, de forma a permitir que a carga tributária seja reduzida sobre a produção geral, favorecendo a rentabilidade e a competitividade.
E em relação ao agronegócio, qual o impacto mais imediato que poderá ser esperado com as modificações propostas?
2. O Agronegócio frente às mudanças tributárias
O setor terá tratamento diferenciado e favorecido de tributação, o qual segue autorizado pelo art. 9 da EC 132/2023, desde que o mesmo tratamento seja concedido em todo o território nacional e desde que ocorra ajuste de alíquota para fins de se equilibrar a arrecadação.
De acordo com ÁVILA (2024), o regime diferenciado e favorecido aplicado ao setor do agronegócio em razão das modificações introduzidas pela EC 132/2023 seriam de ordem objetiva ou subjetiva.
Quanto a primeiro aspecto, o legislador trouxe um olhar diferenciado sobre alimentos destinados ao consumo humano, quais sejam, os produtos agrícolas, aquícolas, pesqueiros, florestais extrativistas, in natura e insumos agropecuários e ocorrerá por meio de aplicação de alíquota diferenciada de IBS/CBS.
O tratamento favorecido aos bens e serviços do setor do agronegócio, ao ser analisado pelo viés objetivo, pode ser classificado em três grupos: a.) aqueles que terão a alíquota zero; b.) outros de alíquota reduzida em 60%; c.) e os de alíquota reduzida em 100%.
Os alimentos produzidos que terão destino a alimentação humana e comporão a cesta básica, por exemplo, terão alíquota zero a fim de reduzir o custo de aquisição pelos consumidores.
Muito debate tende a surgir sobre os alimentos destinados ao consumo humano que terão alíquota de IBS/CBS reduzidos em 60%, já que lei complementar terá atribuição de elencar rol exaustivo. Por enquanto, o rol tende a ser reduzido, composto por itens exemplificados por carne bovina, peixes, tapioca, bebidas e compostos lácteos.
Haverá imunidade de IBS/CBS para exportadores, sendo lhes assegurado o aproveitamento dos créditos relativos às operações nas quais tenha sido adquirente, cabendo à lei complementar regular a forma e o prazo para ressarcimento pelo contribuinte.
No que se refere ao aspecto subjetivo, foi outorgado aos produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas e ao produtor integrado a opção de contribuir para IBS/CBS desde que sua receita anual seja inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). Ao exercerem esta faculdade, ficarão sujeitos as mesmas regras aplicáveis a toda a cadeia de contribuintes. Caso deixem de exercer tal faculdade, não terão direito de se apropriarem de créditos e nem apurarem débitos de IBS/CBS.
Chama-se a atenção ao fato de que os produtores rurais pessoais físicas e jurídicas, independentemente de terem ou não optado por se incluírem no enquadramento de contribuinte, não estarão excluídos de pagamento relativo a IBS/CBS devidos na importação.
De qualquer forma, a fim de dar primazia ao princípio da não cumulatividade, a emenda constitucional previu a possibilidade de concessão de crédito presumido ao adquirente de bens e serviços de produtores rurais que não optem por ser contribuintes, nos termos do art. 9, § 4 acima citado.
Neste aspecto, ÁVILA (2024), retoma que no ciclo econômico da produção até o consumo, o fato de o produtor rural não ser contribuinte em determinada etapa não deveria impedir que créditos gerados nestas aquisições não possam ser transferidos ao adquirente da produção que é contribuinte.
O art. 9, § 13, da EC 132/23 prevê também tratamento favorecido do IBS e da CBS a sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes e tem um significado programático importante na promoção da saúde pública e da alimentação saudável. A inclusão desses produtos é um reconhecimento da importância de se incentivar o consumo de alimentos mais naturais e menos processados, que têm um impacto direto na qualidade de vida da população. Esse enfoque também pode ser considerado uma estratégia para desestimular o consumo de produtos industrializados, alinhando-se a políticas de combate à obesidade e outras doenças relacionadas à alimentação inadequada.
Outro ponto que pode afetar o agronegócio diz respeito ao alcance ou não da regra matriz de incidência tributária, em seu aspecto material, no que concerne ao imposto seletivo sobre agrotóxicos e defensivos utilizados no ciclo produtivo do agronegócio.
O art. 153, inciso VIII, da Constituição atribui à União a responsabilidade de instituir impostos seletivos sobre bens e serviços que possam causar danos à saúde e ao meio ambiente. Dependendo do nível de toxicidade, produtos como defensivos e fertilizantes agrícolas se enquadram em ambas as categorias, mostrando-se especialmente prejudiciais à saúde dos trabalhadores rurais.
Em uma primeira análise, o Anexo IX do PLP 68/2024 enquadra defensivos e fertilizantes dentre os itens que serão beneficiados com redução em 60% nas alíquotas de IBS e CBS, de forma que não poderia ocorrer tributação pelo IS em razão de óbice disposto no art. 9, § 9 da EC 132/2023.
Especialistas, contudo, questionam uma posição paradoxal neste tratamento favorecido, visto existir diferenças materiais muito claras e relevantes entre defensivos e agrotóxicos, o que impingiria tratamento mais acurado da tributação destes itens.
PISCITELLI (2024) argumenta que seria necessário compreender que a concessão de incentivos tributários gera reflexos no orçamento e representa decisão política de o poder público investir, ainda que indiretamente, em bens evidentemente nocivos à saúde e ao meio ambiente. Ela afirma ainda que não se estaria desconsiderando a relevância dos insumos para o desenvolvimento econômico, mas que é preciso considerar a existência de gradação de toxidade entre defensivos e fertilizantes.
3. O novo cenário tributário e os rumos do Agronegócio
Pois bem, feito este sobrevoo, cumpre pontuar que o setor do Agronegócio, ainda que tenha tratamento favorecido, sofrerá uma alteração significativa de regime tributário, em especial para os produtores pessoas físicas que optarem pela faculdade de ingressarem no sistema de recolhimento de IBS e CBS.
A sistemática do recolhimento dos tributos no destino, a observância de todos os demais princípios constitucionais introduzidos pela reforma, como simplicidade, neutralidade, transparência, não cumulatividade, dentre outros, serão igualmente aplicados ao setor, o que gerará externalidades positivas. Inevitavelmente, no entanto, externalidades negativas em fiscalização e arrecadação também devem surgir.
Bibliografia
CASTRO, Nicolle Rennó. Afinal, quanto o agronegócio representa no PIB brasileiro? Disponível em: https://cepea.esalq.usp.br/br/opiniao-cepea/afinal-quanto-o-agronegocio-representa-no-pib-brasileiro.aspx. Nicolle Rennó Castro. Acesso em 25/11/2024.
Comentários à EC 132/2023: Reforma Tributária/Coordenação Flávia Holanda Gaeta – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.
PISCITELLI, Thatiane. Reforma Tributária: Progressividade na Tributação de Agrotóxicos. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2024/10/reforma-tributaria-progressividade-na-tributacao-de-agrotoxicos.ghtml – acesso em 25/11/2024